Nós, jogadores de xadrez, somos privilegiados.
Os que vivem dentro de um cartão ponto, encaram o tempo com
a perspectiva do eterno recomeço. Amanhã, segunda-feira, após o feriado ou depois
do Carnaval a vida recomeça. O envelhecimento, que imperceptível se transforma
em marcas, esquecimentos inesperados e rugas consomem o tempo sem que percebam.
É a pintura de Goya –
Saturno (Chronos para os gregos) devorando um filho.
Têm tempo marcado. Sabem que seus minutos estão decididos no
início do jogo. Partida também seria uma boa palavra em vez de jogo. Ao mover a
primeira peça o tempo, marcado, decidido, pactuado, já estamos partindo. Saturno
abre sua boca e começa o banquete.
Mexemos uma peça e
podemos “ ganhar” um tempo ou perdê-lo. Não temos ilusão que ganhamos ali a partida. Foi só um
tempo. O relógio hesita por segundos, mas não pára. A partida foi escolhida, e
a chegada só pode ser abreviada. Derrubar antes o rei, xeque-mate, fim.
Desejamos ter tempo para ler aquele livro esquecido na
prateleira, estudar a variante que o adversário vai usar no próximo torneio,
assistir o vídeo sobre finais de torres, mas ao final descobrimos que caímos naquele
buraco do depois. O tic-tac que escutamos
e da seta que caiu já eram esperados, mas fomos nós que mexemos as peças.
A vida é demasiado
curta para o Xadrez – Lord Byron.
João Luiz de Mello
Médico Pediatra e Sócio do MXC