TEMPO-OPORTUNIDADE
TEXTO ELABORADO PELO PROFESSOR DE FILOSOFIA DA PUC-RS, E ASSOCIADO DO
MXC. EM TEMPOS DE RAPIDEZ, CORRERIA E QUE 24 HORAS JÁ NÃO SÃO SUFICIENTES
PARA AS MÚLTIPLAS TAREFAS/ATIVIDADES QUE DESENVOLVEMOS; O QUE FAZER QUANDO TEMOS TEMPO E LIBERDADE DE ESCOLHAS. SARDI APONTA UM DOS CAMINHOS, VOCÊ TÊM A LIBERDADE DE TRILHA-LHO OU ESCOLHER UM "MELHOR".
APROVEITE O TEXTO!
Eis que advém o tempo-oportunidade para uma mudança de
percepção
Há circunstâncias em nossas vidas nas quais uma reflexão
sincera e realista se torna imprescindível. E são geralmente aquelas em que a
vida se põe diante do seu limite, e em que há a urgente necessidade de
superação. Porém, refletir é uma ação interna, pessoal, intransferível. Só irá
fazer sentido se for praticada livre, lucidamente. Sugere-se, portanto, que reflitamos
sobre o sentido no qual a superação das crises passa invariavelmente também
pela transformação de nossas percepções, de nossas disposições mentais. Dar um
novo significado, então a percepção da situação que estamos mundialmente
vivenciando, como uma oportunidade para realizarmos uma pausa para pensar, para
nos curarmos, como um tempo destinado a um ‘retiro espiritual’ e ao crescimento
moral e intelectual. E que assim possamos construir as condições para aprender
a vivenciar criativamente o tempo. Meditar, ler, desenhar, pintar, escrever,
esculpir, cozinhar, decorar, assistir filmes, séries e documentários que nos
ajudem a crescer espiritualmente, dedicando atenção, carinho e cuidado em cada
ação; dedicar o tempo a algum hobby ou brincadeira que confira prazer ao tempo
vivido; aprender algo novo, praticando autodidatismo e partilhando a ajuda de
outras pessoas: uma segunda ou terceira língua, história, astronomia,
filosofia, mitologia, matemática, ecologia, ciências em geral, culturas
diversas, o que puder lhe interessar ou despertar curiosidade, aprendendo
também a ‘filtrar’ informações, percebendo que um aprendizado suscita caminhos
para outros aprendizados, inesperados, surpreendentes, fazendo do aprender
também um caminho de contemplação. Neste retiro espiritual, como um ato de
retirar-se da sobrecarga cotidiana de preocupações e do tempo vivido sem
sentidos maiores que a sobrevivência ou o consumo desenfreado, terás tempo-oportunidade para exercitar o
autoconhecimento, despertando novas potências, para que o ‘conhecer a si mesmo’
seja também um motivo para ‘reinventar e reconstruir a si mesmo’; tempo para
aprendermos algo sutil e precioso sobre os relacionamentos humanos, pela
renovação criativa dos laços que mantêm saudáveis as condições para a
coexistência cotidiana com os nossos familiares e todos aqueles com quem convivemos
em nossos lares; tempo para redescobrirmos o prazer de brincar, de
reinventarmos prazeres, sentidos e motivações; oportunidade para exercitarmos a
solidariedade, reconhecendo-nos como parte da humanidade, integrados na grande
teia da Vida que milagrosamente habita e evolui neste planeta, a Terra, este
‘pálido ponto azul’, comparável a um milagroso ‘útero’ que navega em
gigantesco, infindável universo; tempo para mudar a própria percepção do tempo,
como ‘tempo de vida’, e não apenas ‘tempo de produção’, como ‘atenção ao
presente’, e não apenas tempo de preocupações em que a Vida não se deixa
sentir, para assim percebermos que o valor do tempo-de-vida é incomensurável
por qualquer cifra monetária; oportunidade para exercitarmos a gratidão por
existir e para assumirmos, assim, a profunda responsabilidade que deverá advir
desta gratidão. Neste convite para que possamos exercitar uma mudança de
percepção, eis que advém o tempo-oportunidade para que este ‘retiro espiritual’
seja também provocador de uma profunda reflexão sobre as condições que geraram
esta situação: diante de uma crise ambiental sem precedentes, com suas
múltiplas dimensões; diante da supressão social gradativa de valores e
sentidos, e das patologias sociais associadas; diante da crescente supremacia
do lucro e do mercado, em detrimento da vida; diante da histórica construção da
idolatria do ego, da solidão do individualismo e de suas múltiplas repercussões
psíquicas e sociais; diante da recente e crescente negação da ciência, da arte,
da filosofia, do espírito crítico e do bom senso; diante da espiritualidade, gradativamente suprimida em um mundo dominado
pela máquina e fascinado unilateralmente pela tecnologia, e do consequente
ocultamento do que nos torna efetivamente humanos; diante do esquecimento do
Sentido maior de nossas existências e da Vida como um todo; diante da
necessidade de substituir a liberdade e de praticarmos sentir-juntos o profundo
valor de todos os seres vivos e da humanidade; diante da urgência de
reconstruirmos o imaginário social do futuro, mantendo desde já as condições
para que as próximas gerações que irão habitar este planeta o façam com
dignidade; diante da urgência de relembrarmos como ‘faz bem’ desejar o bem,
reaprendendo a amar com humilde coragem. E diante das múltiplas possibilidades
que o espírito criativo da humanidade puder, em rede, gestar, eis aqui também
um convite para refletirmos coletivamente sobre como esta ‘parada para pensar’
(em escala mundial) poderá nos ofertar algo positivo, apesar de tudo, apesar das
vidas que infelizmente perderemos, renovando nossos votos de esperança. Com
sabedoria, pratiquemos paciência, humildade, coragem, serenidade, esperança,
fraternidade, persistência, caridade, compaixão. Eis que advém assim um
desafio: transmutarmos a crise em uma oportunidade, uma pausa, um retiro para
potencializarmos as condições para crescermos espiritualmente como humanidade,
reintegrando-nos integralmente ao surpreendente mistério da teia da Vida.
🙏🏿 [S.Sardi]
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